Por Nayara Figueiredo
A disparada nos pedidos de recuperação judicial (RJ) por produtores rurais está preocupando bancos, agroindústrias e especialistas jurídicos. Os problemas causados pelo aumento do uso desse recurso foram destacados nesta terça-feira (19/3), durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio, realizado em São Paulo (SP).
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) defende a renegociação de dívidas no setor, ao invés de “abusos” e “aventuras” com o uso excessivo do recurso. As declarações foram dadas pelo diretor de Tributação e Negócios Jurídicos da entidade, Dalton Cordeiro de Miranda.
O executivo ressaltou que, em algumas modalidades de contrato, as tradings representadas pela Abiove estão na posição de credoras destes produtores endividados – daí o temor de que pedidos eventualmente indevidos de RJ tragam uma reação negativa em cadeia.
“Defendemos que a RJ só deve ser deferida nos casos em que a legislação que está sendo atendida e os aspectos econômicos sobre essa situação financeira agravada estejam devidamente comprovados”, disse.
Dados da Serasa Experian indicam que, no ano passado, foram feitos 127 pedidos de recuperação judicial por produtores rurais pessoa física, um salto de 535% em relação a 2022. E as expectativas da entidade era de que, possivelmente, este número seguiria em ascensão neste ano.
“Esse volume de RJ vai tornar o crédito mais caro. Ao invés de ter um crédito justo, teremos um crédito mais caro e isso vai impactar toda a cadeia produtiva”, enfatizou Miranda.
Ele acredita que também há casos de exagero no oferecimento de recuperação judicial por parte de alguns advogados, algo que também preocupa o setor agrícola.
Do ponto de vista climático, a recomendação é tentar buscar mais previsibilidade. “A tecnologia tem condições de entregar ao produtor a previsão necessária para ele seguir no negócio”, afirmou, lembrando que as condições que as lavouras atravessaram nesta safra haviam sido previstas por órgãos como o Inmet em abril de 2023. “Toda a cadeia tinha como se programar”.
Sendo assim, disse o executivo, a justificativa de crise climática não se sustentaria para os pedidos de RJ. “Então, estamos tentando buscar através da renegociação sanar o impacto do que estamos vivendo hoje, que não se enquadra em uma crise”.
A avaliação da Abiove vai em linha com o discurso do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que afirmou na segunda-feira (18/3) que o governo vai enfrentar a “banalização” das recuperações judiciais no agronegócio, visto que o uso incorreto do mecanismo no campo vai custar caro ao crédito rural e à economia brasileira.
Uso como “remédio”
Eventuais perdas de safra e adversidades climáticas ocorridas atualmente no agronegócio ainda não configuram uma crise no setor, trata-se de um momento difícil que precisa ser superado. Desta forma, “temos visto que as recuperações judiciais têm sido usadas como um remédio para o produtor rural”, disse Andrea Aranha Greco, Superintendente Jurídica do Itaú Unibanco.
A executiva ressaltou que existe um portfólio de títulos disponível no mercado, como a Cédula de Produto Rural (CPR) e o Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), para financiar a atividade rural “e a gente não vê”.
“A RJ não é litígio, RJ é negociação. Se ela ficar sendo litígio, não ganha nem o credor, nem o devedor e é isso que a gente precisa coibir”, enfatizou.
Na mesma linha, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), Renato Buranello, destacou que a recuperação judicial “não é um remédio que pode ser generalizado”.
Ele admitiu, no entanto, que há casos em que a medida realmente é necessária. Nestes casos, é preciso uma aplicação de regras que deem transparência e legitimidade no processo de aprovação dos pedidos.
Marcelo Sacramone, advogado e ex-juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) comentou que a recuperação judicial serve para proteger a atividade rural, como um todo, e não apenas o agricultor.
Neste momento, a agropecuária não vive uma crise como já ocorreu no passado, quando todos os elos da cadeia foram atingidos com devolução de máquinas e problemas financeiros severos entre os produtores, avalia Guilherme Soria Bastos, Coordenador da FGVAgro. “E esse não é um ambiente que nós gostaríamos de voltar”, disse.
Fonte: Globo Rural