Pergunta que não quer calar no setor canavieiro: por que a produtividade da cana não evolui no Centro-Sul?

Canavial – Foto: Governo do Estado de São Paulo

Por Fábio Vidal Mina Junior*

A cana-de-açúcar é uma cultura semiperene, de clima quente e úmido, dispondo de manejos específicos para atingir seu pleno desenvolvimento e, consequentemente, o retorno esperado. Dessa forma, entendemos que práticas alheias aos padrões adequados irão fatalmente refletir em seus resultados, inclusive em sua produtividade.

Nos últimos anos, temos convivido com uma acentuada queda e/ou estagnação das produtividades nas usinas. Com exceção de uma minoria, todas tiveram uma redução de TCH (toneladas de colmos por hectare) nas últimas safras. Tal redução em relação às safras anteriores ocorre mesmo que nas fases de seleção e estudo para a liberação da variedade, os clones são submetidos invariavelmente em competição com as principais variedades comerciais exploradas pelo setor, onde estas variedades são utilizadas como padrões/testemunhas nos ensaios dos órgãos de pesquisa.

Após as diversas fases de competição, seleção, condições edafoclimáticas e anos de avaliação a que esses materiais são submetidos, os melhores que superaram as variedades comerciais são liberados para o plantio comercial, obviamente são os clones que se mostraram superiores nos diversos indicadores de desempenho avaliados, como: produtividade em cana planta e soqueiras, riqueza, sanidade (doenças e pragas), colheitabilidade, isoporização, etc, ou seja, os que tiveram uma performance superior as variedades comerciais cultivadas pelas usinas.

Ademais desse processo, temos nos deparado ainda com a incógnita de não estarmos obtendo o incremento esperado na produtividade, ou melhor, somente um pequeno aumento no TCH ou uma manutenção linear com pequenas oscilações nas produtividades obtidas em safras anteriores.

Sabemos que o Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo e o segundo maior produtor de etanol. Nas últimas décadas, o crescimento desta commodity foi gigantesco, e para atender a demanda, fez-se necessário a expansão das áreas de cultivo de cana. Assim, diante dessa necessidade, uma conjunção de diversos fatores acabou inevitavelmente impactando esse cenário de estancamento das produtividades, a saber:

1 – Expansão da área de cana em áreas até então não cultivadas com cana-de-açúcar (pastagens, eucaliptos, citrus), ou seja, não somente nas áreas mais férteis;

2 – Problemas com nutrição e manejo, alta dos preços – agravado com as últimas crises políticas e econômicas (interna e externa) – pandemia da Covid-19 e guerras entre países fornecedores de fertilizantes ao Brasil;

3 – Diminuição das áreas de reforma e consequente aumento do número médio de corte (historicamente, a taxa média de renovação do canavial era de 17%; atualmente está próxima de 14%);

4 – Antecipação do início das safras e postergação do final das safras. Há um tempo não muito distante, as safras começavam em maio e encerravam em outubro/novembro. Hoje, porém, é muito comum iniciarem em março e terminarem em dezembro – há, inclusive, algumas unidades que moem cana praticamente o ano todo;

5 – Idade média de corte;

6 – Plantio de cana de ano, cana de inverno e em algumas usinas plantio o ano inteiro;

7 – Concomitantemente aos eventos elencados acima, atualmente a quase totalidade da colheita é mecanizada e a cana sem queimar. Anteriormente o cenário era de uma área representativa de colheita manual e de cana queimada, onde se ateava fogo nos canaviais a serem colhidos, o que era positivo em termos de produtividade e menos perdas de matéria-prima;

Enfim, mudanças importantes que ocorreram nos últimos anos no manejo tradicional até então aplicado e que, certamente, contribuíram para a redução da produtividade e/ou um range aproximado entre as últimas safras.

É evidente que, em virtude dos diferentes “anos agrícolas” que atravessaram esses canaviais, houve também influências de clima, temperatura, chuvas e outras variáveis. De todo modo, o que gostaria de pontuar é que, nos últimos anos, mesmo com o avanço de tecnologias que vem sendo aplicadas no melhoramento genético e desenvolvimento de novas variedades de cana, os fatores elencados acima interferem direta e substancialmente na redução ou manutenção da produtividade, reagindo de uma forma inversa ao acréscimo esperado da produtividade dos novos materiais liberados e ao seu manejo (Consulcana 2025).


Outra varável também muito importante são as alterações constantes e reposições no elenco varietal, onde, se não fossem esse dinamismo no desenvolvimento e liberação de novos materiais genéticos promissores e variedades com características superiores às já existentes, o cenário, indubitavelmente, estaria ainda pior e muito mais desafiador.

Não há dúvidas do grande serviço que órgãos de pesquisa como CTC, IAC, Ridesa e algumas universidades prestam para o setor no desenvolvimento e liberação de novas variedades de cana-de-açúcar. Trata-se de uma árdua e importante tarefa que não tem fim, pois é uma busca permanente por novos clones superiores e futuras variedades que atendam à necessidade incessante do setor.

O que podemos fazer para alavancarmos a produtividade além das liberações de novas variedades?

Sabe-se que a cana-de-açúcar é uma cultura altamente responsiva à água, fazendo com que esse insumo por si só já traga um enorme resultado positivo na busca pela produtividade, aliado ao clima quente e a horas de luz adequada. Esses elementos (água, temperatura e luz) talvez expliquem ou justifiquem porque o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar e seus derivados do mundo.

Não obstante aos fatores citados como impactantes na dificuldade em alcançarmos produtividades outrora obtidas, assim como alavancarmos as produtividades atuais, podemos relembrar um estudo realizado pelo fisiologista, Paul H. Moore (2009), Hawaii Agricultural Research Center (Centro de Pesquisa Agrícola do Havaí), onde aponta o potencial teórico máximo da cana-de-açúcar em 472 t/ha. Logo, a cana-de-açúcar por ser uma planta altamente responsiva água, não podemos deixar de citar que a irrigação na cana é fundamental para o incremento de sua performance em produtividade, sendo uma das principais iniciativas numa busca por uma evolução nas toneladas de colmos por hectare.

Nota-se também, nos últimos anos, uma troca significativa no plantel de variedades, onde materiais que ocupavam e/ou eram cultivados comercialmente em grandes áreas foram cedendo espaço para novos materiais promissores aliando: riqueza, sanidade, colheitabilidade, diversidade quanto aos ambientes de produção (solos) e longevidade.


O maior desafio para nós, profissionais que trabalhamos no setor, é utilizarmos as tecnologias disponíveis no mercado, as novas variedades, adequar o manejo e buscamos alcançar, nas áreas com potencial, os três dígitos de TCH (tonelada de colmo por hectare) ou próximo disto, sem contudo, não esquecer do ATR (açúcar total recuperável), pois entendemos também que não podemos só focar na produtividade e esquecermos o ganho e a evolução que obtivemos nos últimos anos na qualidade tecnológica da matéria-prima.

É importante ressaltar que a alocação correta das variedades não traz nenhum custo adicional, pois o custo da operação sendo realizada da forma correta ou errada será o mesmo. Sendo assim, fazer a escolha da variedade a ser plantada de forma assertiva, equalizando épocas de plantio, colheita (materiais para início, meio e fim de safra) e o plantio sendo realizado no ambiente de produção adequado, sem dúvida alguma já seria um grande salto na performance e retorno econômico, onde consequentemente, não haverá a necessidade de conviver com uma decisão equivocada e esperar cinco ou seis cortes (anos) para corrigir um eventual erro cometido na formação do canavial.

Devemos buscar o manejo ótimo, equalizando o elenco varietal de acordo com os ambientes de produção disponíveis na usina, se necessário, investir em mudas de variedades que talvez a usina não tenha, e insisto, principalmente fazer a alocação nas áreas adequadas, sem deixar a logística e/ou a muda mais próxima serem o fator determinante na tomada de decisão de qual variedade plantar na área a ser reformada, incorrendo num erro que depois custará anos para ser corrigido, ou seja, até a próxima reforma da área.

Vale destacar também alguns outros fatores no manejo que são fundamentais e contribuem para elevação da produtividade:

  • Estratégias adequadas de plantio, visando mitigar canavial com falhas;
  • Redução de perdas na colheita (trasbordo, pisoteio, transporte);
  • Caminhamento coerente de safra;
  • Nutrição sem economia de acordo com a análise/necessidade do solo;
  • Investir em irrigação visando abranger a maior área possível dos canaviais;
  • Fatores redutores de produtividade agrícola sob controle (pragas, doenças e ervas daninhas);
  • Ponto ideal de reforma;
  • Escolha e alocação correta da variedade no ambiente de produção (solo), ponderando inclusive questões logísticas.

Com estas variáveis sob controle e um mínimo investimento, é factível buscamos e alcançarmos este incremento na produtividade que tanto é questionado pelo setor nas últimas décadas, e que com certeza, trará o retorno esperado em toneladas de colmo por hectare. Reduzir custos com economia na adubação, com a logística no transporte de mudas de variedades equivocadas somente por estarem mais próximas da área de plantio, não investir na irrigação dos canaviais, assim como outras práticas habitualmente encontradas, são decisões muito comuns, práticas e fáceis de serem tomadas, mas que não são as mais assertivas para quem busca aumento de produtividade. Temos que aceitar e comprar a ideia de que não conseguiremos o aumento da produtividade se não investirmos num manejo racional para alcançamos tal objetivo.

*Consultor técnico no setor sucroenergético e diretor da Consulcana – Soluções Aplicadas a Cana-de-Açúcar.

Fonte: Revista RPA News