Um banho frio com um fio de esperança

Açúcar – Imagem da frabikasimf no Freepik

Por Arnaldo Luiz Corrêa*

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana dando um pequeno respiro. O contrato outubro/25 subiu 33 pontos (pouco mais de 7 dólares por tonelada), fechando a 15.83 centavos de dólar por libra-peso. Já o março/26, agora o mais movimentado, terminou a 16.35 centavos, alta acumulada de 17 pontos na semana (equivalente a 3.75 dólares por tonelada). Nada espetacular, mas melhor do que uma queda.

O estreitamento do spread sugere que quem estava vendido no outubro pode ter corrido para recomprar e garantir o lucro, ou, mais simplesmente, desistiu da entrega física para apostar numa recuperação no março. É aquele clássico movimento de “melhor parar por aqui e tentar a sorte adiante”. Vamos ver o que a terça-feira nos reserva.

Apesar desse fôlego, o mercado segue decepcionante. O que muitos não perceberam no radar é o volume de rolagens que se arrasta desde maio. As usinas embarcaram seu açúcar normalmente, mas preferiram empurrar a fixação para o mês seguinte esperando preços melhores — que nunca vieram. Resultado: rolagem de maio para julho, de julho para outubro, de outubro para março um jogo que distorce a percepção de suporte em NY. Assim, qualquer alta provocada pela recompra dos fundos acaba sendo neutralizada por usinas retardatárias correndo atrás do prejuízo.

Um trader experiente calcula que o total dessas rolagens pode somar entre 1,5 e 2 milhões de toneladas — algo como 30 a 40 mil contratos. Para se ter ideia, quando os fundos recompraram 31 mil contratos na semana retrasada, NY mexeu apenas 6 pontos. Ou seja: foi esforço de maratonista para ganho de caminhada na praia.

De acordo com o COT (Commitment of Traders) publicado pelo CFTC, entre 16 e 23 de setembro os fundos adicionaram 18.823 lotes e, mesmo assim, o mercado caiu 24 pontos. Traduzindo: precisaram vender quase 40 mil toneladas para cada ponto de queda — o maior esforço entre seis alterações de posição recentes. Isso pode sinalizar uma exaustão do mercado: cada vez mais peso para mover cada vez menos preço.

Além disso, os fundos especulativos tendem a ficar mais confortáveis em posições vendidas quando o mercado está no cash and carry (caso do outubro versus março). Ao rolar a posição do outubro para o março, eles realizam um ganho automático: recompram mais barato no outubro e vendem mais caro no março. Essa dinâmica pode levar a duas interpretações: a) Com esse ganho extra, os fundos têm munição para pressionar o março/26 até o nível do outubro. b)  O problema é que o maio/26 está com um desconto anualizado superior a 15%, o que desestimula a manutenção de posições vendidas além de março. Nosso palpite: até janeiro os fundos já terão liquidado boa parte dessas posições.

Nosso colaborador Marcelo Moreira vê sinais construtivos. O outubro/25, depois de bater na mínima dos últimos 3 anos a 15.10, fechou a 15.87 centavos. O spread V5/H6 afunilou para apenas 50 pontos, levantando a pergunta: teremos entrega na terça-feira? E qual será o tamanho dela? Já o março/26 também testou mínima de 3 anos (15.76) e encerrou a 16.38. Pode ter sido o fundo do poço no ano. Há suportes importantes em 16.34, 16.21 e 16.00; e resistências em 16.79, 17.13 e 17.57. O estocástico fechou ainda indicando compra, então, se o movimento de reversão continuar, não será surpresa ver o março/26 buscando a casa dos 17 centavos em breve.

No fim das contas, o mercado está como aquela torneira de água fria que insiste em pingar: incomoda, mas não mata ninguém. O problema é que quem está esperando uma ducha quente de preços melhores já está ficando gripado.

O modelo da Archer Consulting apurou que, em agosto de 2025, as usinas fixaram 434 mil toneladas de açúcar referentes à safra 2026/27. Esse volume corresponde apenas a novas fixações, sem considerar eventuais rolagens de meses anteriores. No total, já somam 10,2 milhões de toneladas fixadas para a safra 26/27.

Considerando a possibilidade de exportações brasileiras alcançarem 34 milhões de toneladas, isso equivale a 30% da safra já comercializada antecipadamente. O preço médio apurado foi de 17,13 centavos de dólar por libra-peso, equivalente a R$ 2.486,76 por tonelada com prêmio de polarização. Sem esse prêmio, a equivalência é de aproximadamente 108 centavos de real por libra-peso. No ano passado, em agosto/24, o percentual de fixação da 25/26 era também próximo aos 30%.

Vice-presidente de negócios da fabricante de etanol Inpasa, Flávio Peruzo afirma que a região tem uma “demanda adormecida” que a empresa pretende explorar. A Inpasa tem duas usinas no Paraguai e cinco no Brasil, sendo uma delas no Maranhão.

A unidade maranhense, instalada em Balsas, foi inaugurada no início de agosto após um investimento de R$ 2,5 bilhões. No começo do ano que vem, a empresa deve começar a operar uma nova planta no Matopiba. Desta vez, em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. A usina receberá um aporte de R$ 1,3 bilhão.

Peruzo acrescenta que a Inpasa pretende explorar a região do Matopiba por se tratar de uma fronteira agrícola importante, com oferta de milho. “O que tem de produção de milho hoje é suficiente para abastecer as usinas do Matopiba e há um potencial de crescimento, mas a comercialização do milho lá sempre foi instável. Com o consumo interno linear (garantido pela indústria do etanol), haverá segurança para o produtor cultivar o milho”, diz Peruzo.

Diferentemente do Centro-Oeste, porém, o Matopiba tem um clima menos propício para a safrinha do milho. Hoje, a produção de etanol de milho centro-oestina é baseada nessa segunda safra. Para contornar o entrave, a indústria deve explorar o sorgo (cereal resistente à seca e às altas temperaturas) quando a produção de milho do Matopiba for fraca. As usinas da região já estão sendo construídas de modo que possam ser abastecidas com as duas matérias-primas.

O executivo destaca ainda que o setor tem conversado com fornecedores para ampliarem a produção de biomassa usada na geração de energia das usinas de etanol. Segundo Peruzo, a Inpasa trabalha não apenas com cavaco de eucalipto e pinus, mas também com o de bambu, palha, bagaço de cana, gramíneas e até caroço de açaí.

Apesar de o Matopiba e o Centro-Oeste registrarem os maiores crescimentos da indústria do etanol de milho, o segmento vem avançando em todo o País. Segundo o levantamento do Imea, o Brasil tem hoje 24 biorrefinarias produzindo o combustível, 18 sendo instaladas e 19 esperando autorização da ANP.

O segmento vem sendo impulsionado não só pelo aumento da mistura obrigatório do etanol na gasolina, que passou de 27% para 30% em agosto, mas também pelo potencial de uso do milho na fabricação de combustíveis “sustentáveis” para a aviação e o setor marítimo. Há ainda expectativas de que outros países, como Japão e Índia, ampliem suas misturas obrigatórias.

“Tem todo um mercado internacional se desenvolvendo, com políticas públicas de mistura. Também acreditamos que o uso de etanol na navegação possa ser antecipado e o SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês) vai demandar uma enorme quantidade de combustível. O Brasil se beneficia diante disso tudo por ter baixa pegada de carbono no etanol”, diz Nolasco, da Unem.

A emissão de carbono por parte das usinas brasileiras de etanol de milho é menor quando comparada com a das americanas. As plantas daqui usam, em grande parte, eucalipto e bambu de reflorestamento para gerar vapor, enquanto as dos EUA utilizam gás de origem fóssil, mais poluente.

Outro motivo que torna o etanol brasileiro mais sustentável é que o clima tropical permite a produção de mais de uma safra em um mesmo ano e em um mesmo solo. Assim, o País pode aumentar o cultivo de matérias-primas de biocombustíveis sem precisar avançar em terras cobertas por florestas. Os Estados Unidos não conseguem fazer isso em seu “corn belt” (o cinturão do milho, região produtora de grãos do país), que é atingido por nevascas no inverno.

O cultivo brasileiro de milho no mesmo solo do da soja também melhora a qualidade da terra, reduzindo o uso de fertilizantes, que emitem gases de efeito estufa na fabricação.

*Gestor de Risco para o mercado agrícola de commodities e sócio-diretor da Archer Consulting.

Fonte: Archer Consulting