Por Isadora Camargo e Fernanda Guimarães
Em sua primeira entrevista como novo CEO do Agrogalaxy, Eron Martins avaliou que não houve erros estratégicos da companhia, atribuiu o pedido de recuperação judicial à dinâmica do mercado e tentou demonstrar “otimismo”. Segundo ele, o pedido de recuperação judicial protocolado no dia 18 foi um meio de proteger o caixa e a operação.
“Ninguém trabalha a recuperação judicial como plano A. Esse nunca foi o plano”, afirmou Martins em entrevista à reportagem. Foi “uma decisão consciente”, mas que não reflete eventuais erros nos últimos anos, sustentou.
Dívida
A dívida total da companhia estaria em cerca de R$ 4,7 bilhões, apurou a reportagem. Uma lista de credores que circulou ontem entre envolvidos no processo mostrava dívidas de R$ 3,8 bilhões com credores classe 1, 3 e 4 (trabalhistas, credores sem garantia e fornecedores, respectivamente), além de uma lista de 37 páginas com nomes de produtores com os quais o Agrogalaxy tem grãos a fixar. O maior credor é o Banco do Brasil, com montante de R$ 391,159 milhões.
À reportagem, Martins não confirmou números por causa do segredo de Justiça, e disse que a diretoria decidiu manter o processo em sigilo para proteger acionistas e envolvidos na empresa.
Renegociação travou
Segundo ele, o Agrogalaxy vinha renovando empréstimos nos últimos dois a três meses “em um tom de parceria muito grande com os bancos”, até encontrar resistência com um banco específico.
“A prova de que não era nosso plano A é que a gente, inclusive, pagou uma parte da dívida com esse banco, tentando buscar uma solução e um prolongamento, como todos estavam fazendo”, disse. Questionado sobre qual é o banco e o valor pago, Martins afirmou que não poderia abrir as informações devido ao segredo de Justiça.
A reportagem apurou com uma fonte que um credor financeiro, que tinha operações com o Agrogalaxy, como derivativos, liquidou as operações e sacou R$ 35 milhões da conta vinculada da companhia no fim da semana passada, sem notificá-la. Segundo a fonte, a companhia pagou, há quatro semanas, R$ 20 milhões da dívida para garantir as conversas para uma rolagem dos vencimentos, mas a tentativa não teve sucesso.
Sem a renovação, disse Martins, a companhia foi “forçada” a uma situação de dificuldade para pagar uma parcela de R$ 70 milhões de um CRA na segunda-feira e teve de optar pela recuperação judicial.
Na noite de quarta-feira (18), a distribuidora conseguiu uma liminar para proteger o caixa, incluindo travas bancárias (recebíveis dados em garantia) de execuções até que o pedido de proteção contra credores seja deferido pela Justiça, segundo uma fonte. A empresa também ganhou um fôlego com o aceite da Justiça do pedido para que os contratos não sejam rompidos com o pedido de recuperação (vencimento antecipado).
Estratégia
Apesar do pedido de recuperação judicial, Martins disse que a estratégia da companhia continua e não citou como possíveis soluções a venda de ativos, nem fechamento de capital. “A estratégia não muda muito: vender mix interessante que tiver melhor margem, tirar o pé de fertilizantes, priorizar especialidade, sementes e defensivos agrícolas, e ter um controle importante do nível de despesas. Cada vez mais ter o espírito de revenda e gerenciar o capital de giro”, disse ele.
Na avaliação do executivo, não houve erros de estratégia. Segundo ele, o crescimento da empresa em 2021 e 2022 foi um impulso que acompanhou a dinâmica do varejo e estimulou aquisições e investimentos, assim como a crise que se instalou em 2023 chegou em todo segmento como um efeito dominó.
“Nós fizemos um ótimo trabalho dentro desses tópicos. Mas a gente sofre um pouco com o contexto do agro do ano passado para cá, com a queda de mais da metade do preço de defensivos, fertilizantes, até as commodities derretendo de preço de 2022 para 2023. Isso afetou a rentabilidade do produtor, que caiu mais de metade de um ano para outro”, afirmou.
Segundo ele, o processo de recuperação judicial é uma “medida de proteção do caixa da empresa”, e não é um instrumento de deterioração dos negócios. O CEO também afirmou que a renúncia de conselheiros foi uma decisão conjunta para preparar a empresa “para essa nova fase, que é mais enxuta de tamanho”. Ele descartou demissões e novos fechamentos de lojas.
Mercado de capitais
O mercado financeiro sentiu o tranco. As ações do Agrogagalaxy caíram 25,51% na B3. Também houve queda expressiva das cotas dos Fiagros com exposição aos CRAs emitidos pela companhia
A XP interrompeu temporariamente as negociações de Fiagro cetipados com exposição aos CRAs da companhia no mercado secundário. Ao todo, 11 Fiagros são credores dos CRA inadimplentes do Agrogalaxy, dos quais seis são negociados em bolsa e outros cinco no mercado balcão. Mais de 10 podem ter a distribuição de dividendos impactada pela crise envolvendo a empresa.
Fonte: Globo Rural