Por Sabrina Nascimento
Com crescimento anual de 30% no Brasil, o setor de biológicos atrai investimentos, mas carece de mais regulamentação. Em reportagem recente, o AgFeed mostrou o verdadeiro “nó” que precisaria ser desatado em Brasília para aprovar uma lei específica para biológicos.
A falta de consenso se justifica pelos interesses muitas vezes divergentes entre as grandes multinacionais, que fazem investimentos bilionários em produtos industrias, fábricas menores do segmento e até as biofábricas nas fazendas, que viabilizam a produção dos bioinsumos no chamado “on farm”.
A boa notícia é que esta semana houve um amadurecimento significativo nas discussões entre os representantes de produtores rurais e da indústria para que, finalmente, possa ser criado um marco regulatório dos bioinsumos.
A base do acordo é o documento entregue ao presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion, por 52 entidades representativas do setor produtivo, como CNA, Aprosoja Brasil, Sindiveg, Abiove e SRB, englobando indústria e produtores.
Trata-se de uma proposta de substitutivo para o texto do Projeto de Lei 658, um dos dois que abordam o tema e que tramitam no Congresso Nacional. Segundo o documento, o objetivo é “a construção de um ambiente regulatório onde as partes interessadas possam trabalhar e conviver de maneira harmônica e com sentimento de participação em um mercado justo.”
As entidades observam que a construção da proposta não “desprezou” os PLs em tramitação na Câmara e no Senado Federal. Atualmente, dois projetos de lei estão no Congresso Nacional (PL nº 658, de 2021 e PL 3.668, de 2021) com o objetivo de regular a produção e o uso de defensivos biológicos. No entanto, ambos os textos têm pontos de divergência entre as partes.
Em entrevista ao AgFeed, Reginaldo Minaré, diretor-executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS), afirmou que o PL 658, não apresenta uma estrutura clara de registro de produtos industriais, por tratar da produção para uso próprio, o que pode gerar insegurança jurídica. Por outro lado, o PL 3668, abrange apenas a agricultura e a silvicultura, sem incluir a pecuária, sendo um texto limitado e com potencial para criar burocracias “desnecessárias”.
“Diante dessas duas situações, nós nos reunimos com um grupo representativo do setor e trabalhamos na construção de um texto alternativo. Esse substitutivo inclui elementos de ambos os projetos e amplia o escopo de abrangência, buscando criar uma legislação mais completa e funcional para o setor”, afirma Minaré.
Apesar do otimismo prévio com o novo texto, ainda há um ponto delicado de divergência: a definição do processo de registro dos bioinsumos. Conforme o texto substitutivo, o processo de registro de bioinsumos propõe critérios de avaliação que variam de acordo com o risco e a inovação do produto.
Quando já existem produtos similares registrados, a legislação prevê um procedimento administrativo simplificado, com a regulamentação por responsabilidade somente do Ministério da Agricultura (Mapa), por não apresentarem risco à saúde. Já para o registro de novos produtos, o Mapa poderá consultar outros órgãos, como a Anvisa e o Ibama, mas sem nenhuma obrigatoriedade. Esse ponto não satisfaz a CropLife Brasil, representante de 53 empresas associadas, entre as quais estão grandes multinacionais, incluindo as maiores fabricantes de químicos como Bayer, Corteva, Syngenta e Basf.
A entidade defende a inclusão da Anvisa e do Ibama no processo como um todo. “A nossa defesa é que produtos com ação de defesa e alguns reguladores de crescimento e bactérias com dupla finalidade, passem por uma avaliação de segurança mais rigorosa”, pontuou Amália Borsari, diretora de Bioinsumos da CropLife Brasil, em conversa com o AgFeed.
Segundo Borsari, isso se faz necessário, uma vez que, algumas bactérias, por exemplo, “têm o potencial para causar doenças em seres humanos ou desequilíbrio ambiental se não forem avaliadas devidamente.” Além disso, a diretora destaca a necessidade de alinhar as exigências de segurança da legislação brasileira com os protocolos internacionais. Ela menciona que em países como os Estados Unidos e a Europa, a avaliação de produtos formulados de controle biológico e reguladores de crescimento segue protocolos rigorosos que incluem análises toxicológicas e ecotoxicológicas.
Para a CropLife, essas avaliações são essenciais para garantir que os produtos biológicos não causem danos ao meio ambiente ou à saúde humana. “No Brasil, o Ministério da Agricultura ainda não tem competência plena para realizar essas avaliações, o que poderia gerar um desalinhamento de segurança e afetar nossas exportações”, ressalta a diretora de Bioinsumos da entidade.
Mas nem todos os pontos são de desagrado. Anteriormente, havia uma preocupação da indústria em garantir a rastreabilidade dos produtos utilizados pelos agricultores, ponto atendido no novo texto. Entretanto, ela ressalta, que se o texto final não contemplar as preocupações em relação ao processo de registro dos bioinsumos, o País corre o risco de criar um desalinhamento que pode comprometer tanto a segurança dos defensivos biológicos quanto a sua competitividade no mercado internacional. “O Brasil não pode se dar ao luxo de arriscar a segurança dos seus produtos”, diz.
Correndo contra o tempo
No campo, o sentimento é de urgência pela aprovação do marco regulatório dos bioinsumos, especialmente, após a regulamentação de agrotóxicos estabelecida pela Lei 14.765, de dezembro do ano passado. Essa lei tornou obrigatório o registro de todos os defensivos, inclusive os biológicos, o que coloca milhares de produtores rurais que atualmente preparam seus bioinsumos nas próprias fazendas em uma situação de ilegalidade.
Com o prazo legal para adaptação às novas regras se encerrando em dezembro deste ano, a pressão aumenta. “O que nos foi informado é que já tem um entendimento prévio, inclusive com o senador e deputados, de que o texto substitutivo poderia ser apresentado ao PL 658, que é o projeto mais antigo”, revelou o diretor executivo da ABBINS.
“A previsão é de que ele (o texto substitutivo) seja discutido entre a FPA, o governo e outros setores envolvidos, para que possamos apresentar um texto final que realmente atenda às necessidades do setor”, completa.
A previsão é de que o novo texto seja apresentado para análise e votação no Congresso já entre setembro e outubro, mas antes, ainda serão necessários novos encontros para alinhar as expectativas de todos quanto ao ponto primordial: o processo de registro dos bioinsumos.
Fonte: AGFeed