A temporada 2023-2024 foi marcada por um conjunto de recordes. A moagem de cana do Centro-Sul alcançou 654,43 milhões de toneladas, alta anual de 19,3%, segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia (Unica). Além disso, também houve uma baixa no custo de produção e bons preços para o açúcar. O cenário, entretanto, não deve se repetir no ciclo corrente.
Por enquanto, a safra 2024/25 vem trazendo bons números. De acordo com a Unica, até a segunda quinzena de julho, foram processadas 332,88 milhões de toneladas, alta anual de 6,7%. Mas, ainda assim, especialistas esperam uma eventual desaceleração, com quedas na produtividade dos canaviais e ainda uma entressafra mais longa.
Para falar sobre esse contexto e, ainda, conjunturas do mercado de etanol e açúcar, a Conferência NovaCana 2024 convidou o economista do Pecege Consultoria e Projetos, Haroldo Torres. O evento acontece nos dias 9 e 10 de setembro, em São Paulo (SP).
Ele estará ao lado do CEO da Orplana, José Guilherme Nogueira, no painel “Avanços no campo e pleitos”, que abordará os custos de produção da cana-de-açúcar, precificação da matéria-prima e adoções de novas tecnologias nos canaviais. Mestre em economia aplicada pela Universidade de São Paulo (USP), Torres é atualmente sócio-diretor do Pecege Consultoria e Projetos e, também, docente da Faculdade Pecege. Coordenou diversos projetos de consultoria e assessoria econômica entre empresas do agronegócio brasileiro.
A programação completa da Conferência NovaCana já está disponível. Você pode se inscrever, clicando aqui. Em conversa com o NovaCana, Torres trouxe suas perspectivas a respeito da safra 2024/25 e das tendências de mercado para o setor sucroenergético, assuntos que farão parte do debate na Conferência NovaCana 2024. A seguir, confira a entrevista completa.
A safra 2023/24 foi marcada por uma produção recorde. Ao mesmo tempo, os custos de produção caíram e o açúcar estava com uma boa remuneração, transformando em um ótimo contexto para as usinas. Podemos esperar um cenário semelhante para 2024/25?
A resposta direta é não, mas vou explicar. A temporada 2023/24 deve ser encarada como uma safra para se colocar em um porta-retrato. Ela representa um conjunto de recordes, dentre eles de produtividade agrícola, de volume exportado de açúcar, de moagem, de volume processado de cana por dia, enfim… Quando olhamos sob a ótica de custo de produção, é imprescindível lembrar que a maior parte desta estrutura é predominantemente agrícola e majoritariamente fixa. Assim, o ganho de produtividade da safra passada contribuiu para a diluição do custo fixo e, indiretamente, para redução do custo unitário.
Por que isso não deve se repetir?
Quando olhamos para a safra 2024/25, o cenário que se desenha é um pouco mais desafiador, em especial do ponto de vista de produtividade. O que temos observado até o momento é uma retração de produtividade que vai se acentuar ainda mais no terço final da temporada. Isso significa que 2024/25 terá uma menor moagem – em vez de 654,43 milhões de toneladas vamos moer algo próximo aos 600 milhões. Com isso, a diluição do custo fixo é menor. Também teremos uma entressafra mais longa, ou seja, custo fixo por um período maior, sem gerar produção. Por isso, várias usinas já devem estar olhando para programas de layoff ou outras estratégias para minimizar o impacto.
Quais são os pontos de atenção para a safra 2024/25?
A produção de cana, na realidade, é um filme e não uma foto. A safra 2021/22 foi a temporada do tripé maquiavélico: seca, geada e incêndio. Por isso, o nível de plantio em 2021 foi relativamente baixo. Estávamos vindo de um ciclo positivo de margens, que geralmente reflete em maiores taxas de renovação, salvo as exceções onde o clima não permitiu que isso acontecesse. Então, 2021 foi uma exceção onde o clima não permitiu essa maior taxa de plantio. Em 2022, nós normalizamos o plantio e fruto disso é o que vimos em 2023. Ou seja, o resultado excepcional de uma produtividade média no Centro-Sul superior a 87 toneladas por hectare. Parte deste resultado não é o clima: também foi a menor idade média do canavial e a maior parcela de cana planta que foi colhida no ano de 2023. Quando olhamos para 2024, também é importante dizer que o resultado da produtividade não é fruto apenas do clima, mas porque, em 2023, não conseguimos manter o nível de plantio feito no ano anterior. Consequentemente, o que está vindo até agora, conforme dados dos clientes que acompanhamos, é uma produtividade menor, resultante de uma maior idade média do canavial. Este é o primeiro ponto de atenção.
E qual seria o segundo ponto?
Em 2023, várias pessoas estavam se perguntando qual seria o volume de cana bisada para 2024. O que é interessante é que essa cana bisada praticamente desapareceu, ficando um volume muito menor do que o imaginado. Durante os meses de novembro e dezembro, nós tivemos um clima muito seco no Centro-Sul, o que levou a uma aceleração da colheita. Portanto, tivemos um volume recorde de cana, que foi colhida no terço final de 2023. Os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro foram de baixíssimos níveis de precipitação e de elevada temperatura. Ou seja, aquela cana que eu acabei de cortar, a cana soca colhida em novembro e dezembro, passou por um verão sob forte estresse climático, sob forte temperatura.
Esse cenário de clima seco continuou.
Exato. Como se não bastasse o canavial ter passado sob essas condições, começamos com a safra com o nível de precipitação baixo, o que permitiu acelerar a colheita. Portanto, atualmente [a entrevista foi realizada em 29 de julho], estamos com a safra extremamente acelerada, acima da média histórica de moagem. O clima tem favorecido as operações mecanizadas no campo, em especial de CTT [corte, transbordo e transporte]. Com elevado aproveitamento de tempo, daqui a pouco estarei chegando para colher novamente aquela cana que foi colhida em outubro e novembro. Então, vou ter dois impactos daqui para frente: o primeiro é que, como estou com uma safra muito acelerada, posso entrar em colheita com cana com menos de doze meses; e, segundo, essa é uma cana que sofreu muito no terço final da safra, naquele momento de severo estresse climático.
A partir de quando esse impacto deve começar a ser percebido nos números divulgados pela Unica?
A partir de agosto ou meados de setembro já vamos ver uma ladeira na rampa de produtividade, o que pode levar a um cenário de morte súbita na safra 2024/25. Temos várias regiões onde os canaviais estão extremamente secos e a cana já mostra sinais de bastante comprometimento. Catanduva e Araçatuba, por exemplo, são regiões onde já estamos vendo situações como o complexo de podridão de colmos, assolando a cana. Então, antes de seguir, o setor precisa monitorar. Os canaviais que foram colhidos lá no final de 2023 vão ter uma menor idade média e menos tempo de desenvolvimento. Não deu doze meses e a cana não se desenvolveu adequadamente.
Considerando este contexto, quais números de produção podemos esperar para 2024/25?
Apesar desse cenário, acreditamos que o Centro-Sul deve moer próximo a 605 milhões de toneladas na safra 2024/25, o que significa uma queda de 7,4%. Mas, na nossa visão, a produtividade está caindo um pouco mais porque não foi possível plantar o nível adequado em 2023. Consequentemente, há um aumento da área de colheita, com queda de produtividade. Mas queda na moagem e na produtividade é algo que todo mundo já imaginava, dado o clima. Tem esse outro fenômeno da idade média e a questão da morte súbita. O ATR [açúcar total recuperável] é a variável do desencanto: esperava-se que ele seria relativamente melhor, em especial devido ao clima seco, mas o ATR não tem respondido na magnitude que muitos imaginavam. Há vários vetores que podem explicar isso; como a cana, em alguns momentos, ainda estava vegetando no campo, o nível de açúcares redutores (AR) estava acima de 1, muito alto ainda.
Isso deve afetar a produção de açúcar?
Como o ATR desapontou, a baixa pureza do caldo dificulta o processo de recuperação de açúcar na fábrica. Se você estivesse fazendo essa entrevista em fevereiro ou março, todos os analistas do mercado diriam que o Centro-Sul teria um mix de produção próximo de 52% para o açúcar. Até agora, conforme os dados da Unica, mal chegamos aos 50% por conta da qualidade da matéria-prima, que veio abaixo daquilo que era imaginado e trouxe muita dificuldade de extração de açúcar no início da safra. Além disso, várias das usinas que anunciaram ampliação de capacidade de cristalização não conseguiram colocar a tempo seu projeto pela dificuldade que a indústria de máquinas está tendo para atender e entregar os equipamentos. É por isso que, na visão do Pecege, devemos fechar com um mix para açúcar próximo a 50,43%, ou seja, superando os 50%, mas não naquela visão inicial de 52%. Dito isso, nossa visão é de uma produção de açúcar no Centro-Sul de 40,8 milhões de toneladas, o que dá uma queda próxima de 3,82%
Como ficam os preços?
Perceba que estou falando apenas pontos negativos: o mix não veio como projetado, posso ter morte súbita e a entressafra será longa. Isso provavelmente vai se materializar em uma elevação dos níveis de preço. Quando o mercado perceber esta questão de potencial, provavelmente veremos os preços do açúcar se valorizando internacionalmente, afinal o Brasil ainda é o grande provedor de açúcar global. Mesmo a despeito de uma recuperação nas produções da Tailândia e da Índia, é o Brasil que ainda vai ditar esse mercado. Ademais, com a entressafra longa e o mandato de ciclo Otto crescendo, também deveremos ter pressão sob os preços do etanol. Então, a despeito das notícias ruins que eu posso estar trazendo, isso vai se materializar em níveis de preço. Quem tiver boa capacidade de tancagem, no caso do etanol, pode aproveitar melhores preços na entressafra. E as usinas que tiverem a oportunidade de rolar o contrato de julho e outubro para março provavelmente também pegarão melhores oportunidades para os valores do açúcar.
Como está o contexto de custos de produção neste início de temporada? Já é possível mensurar se haverá alta ou uma nova baixa?
Em relação ao custo em reais por hectare, em especial na área agrícola, observamos uma ligeira retração em algumas regiões. A exceção são as áreas em que houve expansão do plantio mecanizado, o que aumenta o custo em reais por hectare, seja pelo crescimento do consumo de mudas ou pelo maior valor na aquisição de máquinas, equipamentos e implementos para este plantio.
Quais aspectos merecem atenção?
Para 2024/25, o custo unitário em reais por hectare deve apresentar uma ligeira retração, trazida sobremaneira pela rubrica de insumos ou até mesmo por ganhos de eficiência operacional no processo. Porém, no primeiro terço da safra, tivemos queda de produtividade, então, o custo em reais por tonelada está ficando ligeiramente superior ao do ano passado. Em termos de tamanho do orçamento, eu diria que foi até relativamente menor dada a redução de dispêndios com insumos, em especial fertilizantes e defensivos, assim como o ganho de eficiência operacional. Mas a menor produtividade não tem permitido diluir esse custo. Um exemplo é o CTT. Enquanto o CTT fechou com custo muito próximo a R$ 40/t na safra passada, ele já está próximo aos R$ 44/t na temporada atual; de novo, é essa dinâmica do efeito da produtividade, ou seja, não contribui nos ganhos de alavancagem operacional.
Há algumas temporadas, o açúcar tem se mostrado mais rentável do que o etanol. Mas o produto está passando por algumas flutuações de preço. É possível que o adoçante fique menos atrativo ao produtor nesta safra? Por quê?
Eu não acredito. Na safra 2023/24, o diferencial de remuneração do açúcar para com o etanol foi um dos maiores da nossa série histórica. A diferença foi gritante. É óbvio que, quando um produto gera uma maior rentabilidade, o setor procura ampliar a capacidade produtiva para o de maior remuneração. Desta forma, em 2023, tivemos uma série de empresas do setor sucroenergético que ampliaram a capacidade de cristalização. Também em 2023, tivemos o pior nível de preço do etanol das últimas três safras, basicamente não entregando margem econômica. Portanto, quem expandiu inicialmente a capacidade para açúcar foram, principalmente, as destilarias, como a CerradinhoBio e a unidade Santa Vitória, da Jalles. Então, dezenas de destilarias estão construindo ou construíram a sua fábrica de açúcar; mesmo usinas que tinham produção do adoçante estão ampliando essa capacidade.
E isso gera pressão sobre os preços.
Sim. O mercado vê que o Brasil está ampliando a capacidade produtiva para açúcar e este cenário leva a uma pressão negativa sobre o preço. Mas é preciso lembrar que, nos últimos anos, quem expandiu consideravelmente a fabricação do adoçante foi o Brasil. Neste momento, o açúcar está em um cenário mais baixista, com expansão de capacidade instalada no Brasil e, ao mesmo tempo, a Tailândia vivendo uma recomposição da produção de açúcar depois de ter perdido espaço para a mandioca, além de haver sinais de ligeira recuperação proveniente da safra indiana. Por sua vez, o etanol está limitado ao preço da gasolina no mercado doméstico. Assim, acredito é que a safra 2024/25 ainda será de maior rentabilidade para o adoçante, porém esta diferença poderá se estreitar no médio prazo. Ainda vejo o açúcar com bons níveis de rentabilidade, uma vez que se trata de uma commodity, que tem um consumo com uma alta, em média, de 1,2% ao ano. Afinal, não tenho observado um acréscimo na oferta, de forma consistente, na mesma magnitude do aumento na demanda.
Mas o consumo de etanol está aumentando em 2024. Isso não deve incentivar a produção?
Quando juntamos aqueles números de moagem e de ATR, eu não falei da produção de etanol de cana. Na safra passada, a produção foi de 27,3 bilhões de litros; para este ano, nossa visão é de que o biocombustível de cana alcance 24,69 bilhões de litros, uma queda de 9,66%. Já o etanol milho na safra passada produziu 6,27 bilhões e acreditamos em 7,26 bilhões de litros para este ano. Ou seja, o que vai acontecer em 2024 é uma retração na oferta de etanol de cana, porém aumento na oferta de etanol de milho. O saldo, então, seria uma oferta de etanol de 31,94 bilhões de litros do biocombustível, uma queda de 4,91%. Falando de oferta, o Pecege Consultoria e Projetos estima uma redução no total de 2024/25, mesmo a despeito de um incremento da produção de etanol de milho.
Esse movimento pode ajudar a melhorar o cenário de preços? Qual é a sua perspectiva para o segundo semestre?
Olhando para a demanda – mercado interno apenas, sem exportação –, o ciclo Otto deve crescer 2,83% na temporada 2024/25. O ciclo Otto acompanha muito bem o PIB, ou seja, se o PIB cresce 2%, o ciclo Otto cresce 2,3% a 2,4% – é sempre um multiplicador. Mas eu estou dizendo que a oferta de etanol cai 4,91%. Logo, é óbvio que nós temos que ter um aumento de preço do etanol. Vão ser dois impactos, e esse é o primeiro: preciso ter uma elevação do nível de preço, por menor oferta e maior demanda, portanto preciso pelo menos acompanhar ou atingir o nível da paridade de 70%. O segundo impacto é que, se for uma entressafra longa, o etanol pode superar o patamar de 70% o valor da gasolina, em especial nos meses de janeiro e fevereiro, que é quando o consumo pode ser mais elevado e estamos consumindo maiores níveis de estoque. Assim, há um potencial de valorização do preço do etanol.
E para a safra 2025/26, já há algum vislumbre?
Os dados que temos no Pecege Consultoria e Projetos mostram que, até o momento, não estamos com o mesmo nível de plantio, comparativamente, do ano de 2023. É claro que a estratégia de plantio de cana depende de cada usina, mas algumas não vão plantar cana de ano e já perderam essa janela, o que significa dizer que, em tese, podemos ter um canavial mais velho em 2025, uma vez que o volume total de área de plantio está menor. Isso levanta um ponto de atenção: podemos começar a safra 2025 já com uma maior idade média e, além disso, esse será um canavial com todas as questões que vimos este ano, sofrendo principalmente em relação ao clima. Então, inicialmente temos um cenário com potencial de baixa. Se isso se concretizar, acho que a janela de preços pode continuar positiva para o setor, compensando os eventuais ajustes negativos que possam vir do campo. Além disso, apesar deste cenário negativo, em 2025 e nos próximos anos, o setor ainda pode aproveitar boas oportunidades do mercado de terras, em especial com a acomodação do mercado de grãos – já começamos a observar algumas usinas retomando as áreas de expansão que foram perdidas na competição com a soja durante os anos de 2020 e 2021.
Fonte: NovaCana