Por Ricardo Rosario*
O mercado de carbono está cada vez mais se tornando um tema comum no dia a dia do brasileiro. Mas ainda há muito a ser feito. Por conta de compromissos empresariais de redução de emissões de gases de efeito estufa, o mercado de carbono tem especialmente se mantido ativo diante dos mercados regulados pela ONU ou do fato de o mercado nacional regulado estar em tramitação no Congresso.
Por exemplo, a contabilização do carbono estocado em uma área de vegetação, o carbono absorvido e acumulado no processo de fotossíntese das plantas ou a redução de emissões de carbono e outros GEE (gases de efeito estufa) por meio de medidas de mitigação, podem todos produzir créditos de carbono.
Nos últimos anos, as propostas de criação de carbono no Brasil têm se concentrado em projetos de conservação de florestas em pé, denominados de Redd (redução das emissões de gases de efeito estufa por evitar o desmatamento).
O desenvolvimento desses tipos de projetos prescinde de uma complexidade singular. Em 1º lugar, há uma complexidade inerte na relação entre o tamanho de área de floresta conservada e a proximidade com altas taxas de desmatamento. Esse binômio é necessário para alcançar o princípio chave da “adicionalidade” e poder produzir créditos de carbono.
A adicionalidade é crucial nos projetos de carbono. Em síntese, o princípio dita que as reduções de emissões de GEE associadas a um crédito de carbono só ocorrem por causa de um determinado projeto. Sem essa característica, o crédito não compensaria as emissões, podendo justificar um aumento nas emissões globais.
De acordo com normas do direito internacional (Convenção do Clima, Protocolo de Quioto, Acordo de Paris e outros acordos das COPs de Clima), só é considerado adicional e conta para crédito de carbono o que não é obrigatório por lei. No Brasil, por causa do Código Florestal, é necessário manter uma reserva de vegetação. As áreas que por lei têm de ficar preservadas não contam para crédito de carbono no Brasil. Esse detalhe faz com que o Brasil tenha de preservar muito mais do que outros países.
Com isso, o Brasil tem uma grande punição, já que por conta do Código Florestal, os imóveis rurais precisam deixar um percentual de vegetação em pé, podendo de 20% a 80% da área do imóvel, denominada de reserva legal. Assim, como é uma obrigação da lei, não existe adicionalidade e não podem criar créditos de carbono, a não ser que os imóveis tenham área adicional de vegetação ao percentual estipulado em lei.
Aqui, um ponto importante é que a reserva legal pode ser usada para manejo florestal, inclusive com corte de madeira, e se o proprietário abrir mão desse manejo pode ter direito aos créditos de carbono. Além disso, áreas mais remotas, que têm inúmeros desafios, muitas vezes ficam impossibilitadas de obter os créditos. Aí, mora mais um grande contrassenso da legislação brasileira: temos uma grande cobertura florestal (58,5%, segundo o Snif) e não podemos ser remunerados pela preservação dessa área. Para quem isso faz sentido?
Felizmente, por um lado, o Brasil desenvolveu o RenovaBio, que permite a criação de um crédito de carbono, denominado de CBIO (Crédito de Descarbonização). Em parte, nessa conta, as áreas de reserva integram o cálculo da produção de crédito de carbono. Não obstante, esse mercado é restrito aos biocombustíveis, fonte de energia consideravelmente menos poluente que os combustíveis fósseis.
Outro ponto ímpar desses tipos de projetos é a necessidade de regularização fundiária dessas áreas e a realização das respectivas cadeias dominiais dos imóveis. Todavia, a situação fundiária das áreas com potencial de criar os créditos de carbono é extremamente duvidosa e mais de 70% desses tipos de projetos não seguem adiante pela falta de segurança jurídica.
Assim, temos algumas lições para desenvolver nacional e internacionalmente:
- aprofundar as discussões sobre a possibilidade de criação de crédito de carbono nas reservas legais (em áreas de preservação permanente que não foram aqui abordadas);
- pensar e desenvolver sistemas que possam abranger áreas de qualquer tamanho para a criação de créditos de carbono florestais;
- aperfeiçoar o sistema fundiário nacional;
- estimular e desenvolver mais projetos de biocombustíveis de diversas fontes; regulamentar mercados de carbono no Brasil.
*Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco em direito e política agrícola e do agronegócio, ambiental, energética e de infraestrutura.
Fonte: Poder 360