O boom do etanol de milho só começou — e a Jalles quer entrar

Por Tatiana Freitas

O boom do etanol de milho no Brasil está apenas começando. A produção do biocombustível pode mais que dobrar em cinco anos para cerca de 14 bilhões de litros, com a demanda crescente por açúcar incentivando as usinas a desviarem mais cana para fazer o adoçante. Como a demanda por etanol também continuará crescendo, esse mercado deverá ser atendido pelas usinas que usam o milho como matéria-prima.

A análise é de Tiago Medeiros, diretor da Czarnikow no Brasil. Nos próximos cinco anos, a demanda global por açúcar aumentará em 10 milhões de toneladas, segundo ele. Como o Brasil é o único país capaz de corresponder ao aumento do consumo, as usinas brasileiras serão convocadas a aumentar sua produção em volume semelhante.

“Isso levaria o Brasil a desviar de 6 a 7 bilhões de litros de etanol de cana para produzir açúcar — volume que deve ser substituído por etanol de milho”, disse Medeiros durante o Jalles Day, evento promovido pela com analistas e investidores na semana passada, em São Paulo. “Esse processo deve continuar nos próximos 10 a 20 anos”.

A Czarnikow, uma trading com sede no Reino Unido com tradição no comércio de açúcar no Brasil, também está investindo na produção de etanol de milho por meio de uma participação minoritária na primeira unidade do gênero em Tocantins. O , orçado em aproximadamente R$ 1 bilhão, deve iniciar a operação em 2026. Na Tocantins Bioenergia, a Czarnikow tem como sócios a Agrojem e a ACP.

A Jalles, anfitriã do evento com investidores, aproveitou a oportunidade para sinalizar aos analistas que está avaliando construir uma planta de etanol de milho. “Estamos iniciando uma análise para avaliar se uma planta de milho teria sinergia com alguma de nossas usinas de cana”, disse Rodrigo Penna de Siqueira, CFO da Jalles Machado.

No curto prazo, no entanto, o CFO reiterou que a empresa está focada em ocupar toda a capacidade instalada de moagem de 9 milhões de toneladas por ano — resultado de um de aproximadamente R$ 1,5 bilhão feito nos três últimos anos na expansão das usinas de Goiás e na aquisição da Usina Santa Vitória, em Minas Gerais.

Nesta safra, a Jalles deve moer 8,23 milhões de toneladas de cana. A produção de açúcar deve disparar 50% com a nova fábrica de cristalização em Minas Gerais, que já entrou em fase operacional. Com ela, o potencial de mix açucareiro sobe para 55%.

O investimento vai exatamente em linha com a leitura de mercado do diretor da Czarnikow: usinas estão trocando o etanol de cana pelo açúcar atrás de melhores preços. A construção da fábrica de açúcar da Jalles na Usina Santa Vitória, originalmente uma destilaria, é um apenas um dos projetos em andamento que devem aumentar a capacidade de produção de açúcar em 2,3 milhões de toneladas no Brasil, segundo dados mencionados por Plínio Nastari, presidente da Datagro, no mesmo evento.

As usinas “flex”

Para as usinas de cana-de-açúcar, ter uma planta de etanol de milho anexa à usina de cana apresenta duas vantagens para a redução da pegada de carbono do etanol, disse Medeiros. Um deles é a origem da biomassa que será usada para gerar eletricidade. Para as chamadas usinas “flex”, o bagaço de cana pode ser usado como biomassa, resolvendo o problema de encontrar uma fonte de energia competitiva e limpa. Alguns produtores brasileiros de etanol de milho utilizam cavacos de eucalipto como biomassa. Embora a matéria-prima seja igualmente renovável, a originação pode ser desafiadora.

O outro fator que ajuda na redução da pegada de carbono é que o etanol de milho escapa do dilema food vs fuel, pois apenas o milho safrinha é usado na produção do biocombustível. Como ele é plantado na mesma terra ocupada pela soja na primeira safra, não ocupa áreas que poderiam ser usadas para produzir alimentos.

“No Brasil, o etanol de milho não canibaliza a produção de alimentos. Pelo contrário, ele alavanca a produção de alimentos, pois utiliza áreas de soja, contribuindo para a rentabilidade de projetos de conversão de áreas de pastagem degradadas em agricultura, e propicia um custo de ração mais competitivo para a pecuária com o aumento da oferta de DDG”, disse Plinio Nastari, da Datagro.

Fazendo as contas

Mas o preço do DDG, um subproduto da produção de etanol de milho com alto teor de proteína usado como ração animal que é relevante para diluir o custo das usinas, tem levantado preocupações de alguns produtores. Executivos da São Martinho, que possui uma usina de etanol de milho em Goiás, disseram recentemente que os preços do DDG têm caído em meio a um excedente de oferta, mostrou um do BTG Pactual.

Os custos do milho são outra preocupação para a indústria — apesar das projeções de longo prazo de uma produção crescente no Brasil. Esses dois fatores levaram a São Martinho a descartar, pelo menos por enquanto, dobrar a sua capacidade de produção de etanol de milho.

Os mesmos fatores também explicam por que a localização da usina de milho é tão importante para o retorno desse tipo de projeto. Na Jalles Machado, por exemplo, uma usina de milho ao lado de suas plantas em Goiás não estaria tão próxima de potenciais fornecedores de grãos, mas poderia se beneficiar de sua proximidade com alguns confinamentos de gado, disse o CFO.

“Tudo isso será avaliado a partir de agora”, prosseguiu Siqueira. Outro ponto que vai nortear a decisão da companhia goiana é a manutenção de sal saúde financeira. “Estamos com uma alavancagem de 1,3 vezes. A nossa ideia é manter nesses níveis ou daí para baixo”, afirmou. Trazer um sócio estratégico, com experiência no negócio, é uma alternativa, acrescentou.

Custos

A escolha entre uma nova usina de etanol de milho ou de cana-de-açúcar tem tudo a ver com os custos de produção. Enquanto um projeto de etanol de cana tem custo estimado entre R$ 2.100 e R$ 2.300 por metro cúbico, o custo para fazer etanol de milho é estimado em cerca de R$ 1.700 por metro cúbico, segundo o diretor da Czarnikow. “O etanol de cana vai perder espaço no longo prazo”, afirmou.

“O preço do açúcar precisa estar alto o bastante para remunerar projetos greenfield”, com custo estimado entre R$ 75 e R$ 100 por capacidade instalada, de acordo com Nastari. Apesar do rali recente do açúcar, esse ainda não é o caso.

Entre uma usina flex (anexa à usina de cana) e uma independente (ou standalone), outra conta apresentada por Medeiros ajuda na avaliação. Enquanto a taxa interna de retorno (TIR) em um projeto flex é estimada entre 25% e 27%, a mesma taxa para uma usina independente deve ser de 15% a 17%, disse Medeiros. As estimativas consideram uma produção anual de 200 milhões de litros por ano e o preço da saca de milho entre R$ 45 e R$ 50. No caso da usina flex, é preciso considerar também que o bagaço da cana é usado na geração de energia.

Rotas alternativas

Enquanto o etanol à base de milho é a alternativa mais fácil e barata para aumentar a produção de biocombustíveis no curto a médio prazo, a longo prazo há várias opções para o Brasil navegar como protagonista na transição energética.

As possibilidades sendo avaliadas pelos produtores de etanol, incluindo a Jalles, são biometano, hidrogênio verde e célula de combustível — opções que podem ser usadas para produzir SAF (combustível de aviação sustentável). “Estamos avaliando todas as oportunidades que temos pela frente”, disse o CFO da Jalles. Demanda não vai faltar, garante Nastari. “Até 2050, o mercado potencial do etanol é 9,4 vezes o atual”, disse.

Fonte: AgriBiz